segunda-feira, agosto 15, 2005

PRECISAMOS URGENTEMENTE DE UM SISTEMA DE JUSTIÇA INTERNACIOAL

A propósito do post de hoje do Carlos Esperança e dos comentários do Pinto Ribeiro
(peço desculpa pelo tom politicamente correcto, mas o quê que eu hei-de fazer?):
No final da 2ª Guerra Mundial, foram pela primeira vez criados tribunais especiais para julgar os responsáveis pelos crimes cometidos. Os julgamentos de Nuremberga e Tóquio representaram um enorme avanço para o Direito Internacional, pois pele primeira vez eram apontadas responsabilidades individuais . Tratou-se, no entanto, apenas da justiça dos vencerores, e os seus próprios crimes de guerra ficaram impunes, mas foi um primeiro passo.
O segundo passo deu-se nos anos 1990, com a criação dos tribunais especiais para o Ruanda, e para a ex-Jugoslávia.
Mas foi em 1998 que se deu o grande passo no sentido do desenvolvimento de um sistema judicial internacional que pudesse combater a impunidade em relação aos piores crimes de que a humanidade tem sido vítima. A 17 Julho foi adoptado, por Convenção Internacional, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, que criou o primeiro tribunal internacional permanente com competências para julgar pessoas acusadas de crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade. Note-se que o TPI tem competência para julgar qualquer nacional de um Estado aderente, ou qualquer pessoa, independentemente da nacionalidade, que seja acusada de crimes no âmbito do Tribunal que ocorram no território de um Estado aderente.
O Estatuto foi aprovado com os votos favoráveis de 120 Estados, 21 abstenções e os votos contra de apenas sete Estados, entre os quais os EUA, a China, Israel, e o Irão. A 1 de Julho de 2002, o Estatuto entrou em vigor, 60 dias após o depósito do 60º instrumento de ratificação junto do Secretário-Geral das Nações Unidas.

Os EUA opuseram-se, desde o início, à criação do TPI, mas, apesar de tudo ter feito para impedir a aprovação do Estatuto de Roma, o então Presidente dos EUA, Clinton, acabou por assinar o Estatuto, em Dezembro de 2000. No entanto, o seu sucessor, George w. Bush, impotente para impedir a sua entrada em funcionamento do TPI, repudiou, a 6 de Maio de 2002, a assinatura do Estatuto, e a Administração norte-americana tem vindo, desde então, a desenvolver uma série de iniciativas no sentido de enfraquecer o TPI e a boicotar a sua eficácia, através de estratagemas no sentido de isentar quaisquer cidadãos dos EUA da jurisdição do TPI, com o argumento de que o Tribunal poderá tornar-se num instrumento político de perseguição dos EUA.
Um dos estratagemas consiste em coagir os governos dos Estados aderentes a assinar acordos bilaterais com os EUA em que se comprometam a não entregar ao TPI quaisquer cidadãos dos EUA acusados de crimes de guerra, genocídio ou crimes contra a humanidade. Caso contrário, os EUA retirariam os apoios concedidos a estes estados, nomeadamente em termos de cooperação militar, ou apoio económico, incluindo recursos afectos à ajuda pública ao desenvolvimento em áreas como o combate à droga, a educação ou a luta contra a SIDA. Até este momento, 35 países signatários do TPI viram já tais ameaças concretizadas, e 27 Estados cederam já a esta chantagem (fonte: Amnistia internacional).
Outra manobra de desvirtuamento do TPI consistiu na aprovação, em Julho de 2002, de uma Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas (Res. 1422), no sentido de garantir que a jurisdição do TPI não abranja nacionais de estados que não tenham ratificado o estatuto de Roma, sempre que tais pessoas estejam envolvidas em operações estabelecidas ou autorizadas pelas Nações Unidas. O sucesso de tal manobra foi o fruto da chantagem dos EUA, que ameaçaram retirar as suas forças envolvidas em operações de manutenção de paz da nações Unidas, no momento da renovação do mandato da Força de Estabilização da NATO na Bósnia (SFOR), cuja operacionalidade estava completamente dependente da presença de forças e meios dos EUA. Mais uma vez a Bósnia foi usada para servir os intentos das grandes potências, neste caso os EUA, sem que os restantes membros permanentes do Conselho de Segurança, incluindo a França e o Reino Unido se opusessem.

Assim temos que a justiça internacional nunca será verdadeiramente universal, uma vez que a potência hegemónica recusa qualquer constrangimento à sua actuação, independentemente de tal poder ferir mesmo os valores que os EUA proclamam defender e promover.

O que é interessante observar é que aqueles que propositadamente boicotam os instrumentos multilaterais de promoção da paz e da justiça internacionais e do bem-estar da humanidade são exactamente as mesmas pessoas que periodicamente vêm, em reuniões com objectivos meramente panfletários, de que a Cimeira do G8 é o exemplo mais recente, fazer grandes declarações de intenções quanto à resolução dos grandes flagelos que afectam a humanidade, prometendo o perdão da dívida externa dos países pobres, o empenho na luta contra a SIDA, a promoção de um desenvolvimento sustentável, o combate ao efeito de estufa, à devastação das florestas, o apoio às vítimas do tsunami, etc, etc, etc.
Perante esta realidade, o quê que cada um de nós, cidadãos deste mundo louco, que consumimos a nossa existência a tentar sobreviver ao dia-a-dia, podemos fazer?
Muito pouco.
Mas há uma coisa que cada um de nós pode fazer, individualmente, que é recusarmos-nos a embarcar na propaganda enganosa que todos os dias nos entra em casa à hora do jantar, em que os grandes líderes do mundo se apresentam consternados com as desgraças dos outros e energicamente disponíveis para tomarem fantásticas medidas que raramente se concretizam; não nos deixarmos comover por epifenómenos de pseudo-caridade como o recente Live 8; e sobretudo não nos deixarmos enganar pelos discursos que promovem coisas tão bonitas como os Direitos Humanos, a Liberdade, a Democracia, e a Paz, proclamados por quem não hesita em sacrificar todas essas coisas quando se trata de defender aquilo a que chamam a estabilidade do sistema internanional.

3 Comments:

Blogger cãorafeiro said...

nem mais...

e ainda há muita coisa para dizer, não me esqueci do uzbequistão.

5:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Apoiado em quase tudo.

Será que os mais novos são mais cépticos do que os mais velhos?

5:56 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eu não diria cépticos, antes desinteressados. Os estilos de vida da malta nova obrigam-nos a um life style do qual não faz parte a preocupação com porra nenhuma.

10:24 da manhã  

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