sábado, agosto 13, 2005

ESTA SOCIEDADE EM QUE TUDO É DESCARTÁVEL

Sábado, primeiro dia de férias para milhares de portugueses...
Para irem de férias descansadas, há pessoas que estão dispostas a tudo. Descartarem-se dos fieis amigos de quatro patas é o menos dor problemas. Hoje acordei de manhã com os miados assustados de um gato no quintal das traseiras do meu prédio.
Observemos o raciocínio:
«Ele aqui fica bem, longe dos carros, de certeza que não é atropelado. Nos quintais há sempre umas velhinhas que alimentam os gatos vadios, fome não vai passar de certeza. Com sorte pode ser que ainda cá esteja quando voltarmos, logo se vê. Coitadinho, ele até precisava de um pouco de espaço, e depois, fechado lá na minha cozinha, era uma chatice, largava muito pêlo, não, aqui vai ser muito mais feliz»
Na sociedade em que sou obrigado a viver, tudo é descartável, é usar e deitar fora.
«A Criancinha queria tanto um gatinho, foi tão giro, no Natal, pusemos-lhe um grande laço encarnado... a Criancinha adorou!»
Porquê que havia de me espantar? Os honrados cidadãos, para irem de férias, não hesitam em abandonar à porta dos hospitais públicos os seus familiares mais velhos, não hesitam em deixar para trás os seus doentes, «eu até o ia visitar, mas coitadinho, faz-me muita impressão (com jeitinho, pode ser que morra enquanto estou fora, assim escusave de ir ao funeral, que seca), e depois, já tinha a viagem marcada».
Há cerca de 250 mil anos, já os neandertaleses tratavam dos seus doentes e enterravam os seus mortos. Viviam em condições rudes, mas os achados arquelógicos incluem ossos fracturados que cicatrizaram e outras evidências de que os mais fracos não eram abandonados à sua sorte. Seremos nós menos humanos do que o Homens de Neandertal?
Os honestos cidadãos que hoje não tiveram pudor de abandonar o gato se calhar a caminho também deixaram o avôzinho na urgência do Hospital «coitadinho, estava muito desidratado, teve de ficar internado». Esquecem-se, claro, que a criancinha que tão feliz ficou no Natal quando lhe deram o gato (também já estava farta dele, provavelmente) vai crescendo, e que um dia também eles vão precisar da indulgência de alguém. E cheira-me que não vai ser com a Criancinha, entretanto crescida, que vão poder contar.
Entretanto, o gato continua no pátio, sem sombra, com uma temperatura de cerca de 40ºC, sem água, sem comida, os muros são altos demais, está fraco, assustado, e já nem consegue miar.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

...isso é tipico do homem, mesmo...mas na idd média eramos mais humanos...e até dispensavamos a porra dos óculos de sol (que hoje nos permitem esconder a dor, ou a falta dela)...somos a merda de uns hipocritas e vamos passando o testemunho, amaldiçoada herança aos que vêm...a criançinha será mais um individuo desprezivel e nós lavamos as mãos. Gostei desse teu realismo descritivo...quase senti a porra do calor no pêlo, a sede, a falta de não ter voz nem para miar. Pinto, somos uma merda, ou seja...uma grande merda mesmo.

5:07 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Falta de consciência cristã! Temos de combater a imoralidade de origem descrente e secular!

12:19 da tarde  

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