Viva a França
A França assinala hoje o primeiro centenário da lei da separação da Igreja e do Estado, votada há cem anos pela Câmara dos deputados, e cujas comemorações terão lugar no último trimestre do ano.
A lei mantém-se e está na base da liberdade religiosa que a França assegura a todos os cidadãos quer professem ou não uma religião.
Quando da aprovação da referida lei as relações entre o Vaticano e a França foram cortadas e houve uma forte contestação pelos sectores mais retrógrados da Igreja católica e uma permanente conspiração do Vaticano contra a laicidade de que a França foi pioneira.
Hoje são os próprios bispos franceses a reconhecerem que a lei se deve manter e, apenas, procuram habilmente obter alguns privilégios para a Igreja católica de que, no fundo, são incapazes de abdicar.
A França foi neste capítulo verdadeiramente inovadora e criou as bases para um sistema democrático que só é possível com a separação entre a Igreja e o Estado.
Hoje é o paradigma das democracias e a vacina para evitar as guerras religiosas que ao longo dos séculos dilaceraram a Europa.
Perante os tristes exemplos no Islão político, a mais patética manifestação de fascismo religioso com total ausência de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, sujeitos ao poder discricionário dos clérigos e à vontade de um livro anacrónico - o Corão -, há boas razões para estarmos gratos aos deputados franceses de 1905.
Viva a França.
10 Comments:
ora aqui está uma noticia que eu gostaria de ter visto nos principais telejornais...
você está a esquecer-se do édito de nantes, que é bem mais antigo,e que pela primeira vez estabeleceu a igualdade entre religiões.
mas desculpe-me, a laicidade à francesa é uma suprema hipocrisia. particularmente a lei que proibe o uso de símbolos religiosos nas escolas. quem tem de ser laico é o estado, não são os cidadãos. mais ainda trata-se de uma medida profundamente machista contra as raparigas muçulmanas.
já o presidente da república francesa ir ao funeral do papa, já não faz mal.
bem dizido
caorafeiro:
Curiosamente as meninas que desafiam a laicidade do Estado francês são obrigadas pela sua comunidade.
Chamar machismo à luta contra o fascismo islâmico é não perceber a forma como o Corão trata a mulher.
Quanto à ida do PR francês ao funral do Papa não é grave. Todavia não é um PR de confiança para defender a laicidade.
Confio mais no povo que fez a Revolução de 1789.
eu também confio mais no povo que fez a revolução de 1789 (logo prevertida nos seus objectivos). esse povo ainda agora voltou a mostrar do que é capaz. uma parte da minha famíla pertence a esse povo.
agora, desculpe-me, as meninas de que fala não são vítimas da sua comunidade, mas sim da hipocrisia do poder político, que durante anos fez vista curta à expansão do fundamentalismofinanciado pela arábia saudita. só quando a coisa começou a tomar proporções gigantescas é que resolveram tomar medidas, e foram atacar logo quem? aqueles que menos possibilidades têm de se defender- as raparigas muçulmanas.
a questão do véu, não só em frança, mas em todas as comunidades muçulmanas é muito mais um simbolo cultural de pertença a uma comunidade do que a uma religião. vou dar-lhe um exemplo: vi recentemente imagens dos anos 80 em que os líderes da OLP fugiam do Líbano e deixavam para trás as mulhreres. pormenor curioso: todas usavam véu, mas preso atrás do pescoço como usavam, e ainda usam as mulhreres no campo em portugal. agora se vir imagens da palestina, constatará que as que usam véu tapam completamente o pescoço. isto corresponde a uma necessidade que têm de ir ao encontro da imagem esteretipada daquilo a que consideram ser a sua tradição.
em frança, conheci uma família muçulmana de origem argelina, em que nenhuma das mulheres usava véu. no entanto, as raparigas da família contaram-me que tinham uma tia, doutorada em física e que trabalhava num centro de investigação científica, que de um dia para o outro passou a usar apenas trajos não ocidentais, e a andar velada. a dita senhora não era casada. era independente, e inteligente. o que lhe passou pela cabeça não sei, mas não corresponde de modo algum ao estereótipo da pobre menina que o pai tirano obriga a andar toda tapadinha.
já agora, não se esqueça que foi no paraíso da laicidade que é a frança que o ayatolla komeini se instalou para preparar a revolução islâmica do irão. por acaso recorda-se da imagem do ayatolla, regressado ao irão, a sair do avião da air france de braço dado com o comandante do avião?
e sabia também que, para assegurar a 'tranquilidade' nos guettos habitados por magrebinos, o poder político francês não hesita em usar os líderes religiosos como interlocutores preferenciais, subvertendo assim toda a lógica democrática?
não pense que eu sou contra a laicidade. sou completamente a favor. por razões diferentes de si, porque eu não tenho nada contra os fenómenos religiosos, por isso lhe falei do édito de nantes.
o que eu sou contra é limitarem desta forma a liberdade de expressão das meninas, para fazerem de conta que não têm um gravíssimo problema para resolver.
quanto às mulheres muçulmanas, é verdade que a condição feminina nos países e sociedades muçulmanas é uma calamidade. mas não pense que vamos ser nós, os valorosos ocidentaias a libertá-las. a esse raciocínio eu chamo preconceito etnocentrista. tomara nós em portugal que as mulheres fossem respeitadas.
vão ser elas próprias a libertar-se. mas para isso é preciso que os governos daquilo a que se chama o ocidente (as grandes potências) parem da aparar os golpes às elites corruptas que governam esses países. exemplo: paquistão, viu o caso da rapariga que denunciou um grupo que a violou por vingança contra a famíla? outro exemplo: irão, observe o trabalho desenvolvido pela última galardoada com o prémio nobel da paz. a tenacidade destas mulheres devia servir de exemplo para todos nós, que nos queixamos por coisas de lana caprina, enquanto elas arriscam a vida em nome da defesa da sua dignidade perente a indiferença do 'ocidente'.
peço desculpa pelo tamanho do texto, mas este assunto tem muito que se lhe diga.
cumprimentos, caorafeiro
eu sei que já me alonguei demais por hoje, mas não resisto a reagir a um detalhe que me pasou despercebido no seu texto. você diz:(a frança)Hoje é o paradigma das democracias e a vacina para evitar as guerras religiosas que ao longo dos séculos dilaceraram a Europa. então o que me diz disto:
1-os principais clientes da indústria francesa do armamento são a Arábia Saudita, os Emiratos Arabes Unidos e o Paquistão. tudo grandes democracias onde as mulheres são respeitadas e acarinhadas.
2-« la france participe activementa la proliferation des armes conventionnelles dans le monde. ses exportations augmentent les risques de conflits.» disse isto patrice bouveret, presidente da ONG Centre de documentation et de recherche sur la paix et les conflits (www.obsarm.org)
dados recolhidos na revista Alternatives internationales nº25(junho), pag 36 e 37.
como paradigma das democracias, não está mal.
caorafeiro:
«agora, desculpe-me, as meninas de que fala não são vítimas da sua comunidade, mas sim da hipocrisia do poder político, que durante anos fez vista curta à expansão do fundamentalismo financiado pela arábia saudita».
Completamente de acordo consigo.
Aliás, outras afirmações que faz são verdadeiras e do meu conhecimento.
Quanto à questão do véu temos formas diferentes de ver o assunto.
Muitos dos meus correligionários estão consigo.
A discussão tem mais cabimento no campo político e da geo-política.
Subscrevo muitas das suas afirmações mas penso que é na defesa do laicismo que podemos domesticar a violência religiosa que, por toda a parte, aparece com fúria e, às vezes, como único sinal de identidade num mundo que se globaliza.
Este é um tema que não vai esgotar-se tão cedo.
Obrigado pelos comentários.
concordo quanto à questão do laicismo, por uma razão bem simples, que não converge com as suas, uma vez que é ateu e eu não. é que a separação completa entre as religiões e o poder político é, além de outras coisa, a única forma de garantir que aquilo que é a essência de uma religião (para quem nela crê) não é prevertido para fins de controlo do poder, pois é extremamente fácil aproveitar o discurso religioso para legitimar o uso do poder.
por exemplo, entre as religiões em que existe a crença na reencarnação, tal ideia é usada pelas elites para garantir que as camadas mais pobres da população aceitam passivamente o seu 'karma'.
quanto à questão do véu, imagine-se com 16 anos a estudar num liceu em frança. imagine o ambiente chauvinista francês, imagine todo o discurso integracionista, imagine que está a estudar a conquista da argélia no século XIX e que é obrigado a estudar que a generosa frança, em nome da sua mission civilizatrice, libertou o país dos seus pais do obscurantismo e lhes trouxe o progresso (para compreender melhor como os franceses se comportaram na argélia, aconselho-lhe a obra de kateb yacine). imagine que as suas irmãs mais velhas que trabalham como operadoras de caixa no carrefour são sistematicamente humilhadas pela chefe só porque são um bocadinho mais escurinhas. imagine que a ordem social vigente diz que não faz mal miúdas de 12 ou 13 anos irem para a escola com as cuecas de fio dental à mostra (lá chamam-lhes string, é a grande moda entre as pré-adolescentes), mas que levar os cabelos cobertos ofende a dignidade do estado francês.
já imaginou? então diga lá, se você fosse uma adolescente de 16 anos, fosse muçulmana, e andasse num liceu francês, o quê que fazia?
para mim a liberdade de expressão sobrepõe-se ao respeito por uma norma chauvinista dirigida especificamente contra uma religião, e que só empurra as pessoas para a radicalização.
caorafeiro:
Mais uma vez acho que argumenta bem mas não vejo o problema da mesma maneira.
Claro que não é por eu ser contra o racismo que ele desaparece. Também o nacionalismo, que é uma desgraça, também existe.
Agora penso que o Estado (francês ou outro) deve defender-se das provocações religiosas.
Do mesmo modo que proíbe o véu, impede o uso da sotaina ou do hábito de uma freira numa sala de aula pública.
Penso que isso é uma forma de evitar as tentativas de proselitismo muito vulgares na religião.
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