sexta-feira, julho 22, 2005

AS LIVRARIAS DE LISBOA

As livrarias de Lisboa só servem para quem gosta de cultura por catálogo.

A cultura por catálogo é o resultado da transformação da cultura num mero bem de consumo, que alguns consomem para se distrair, e muitos consomem para se sentirem cultos.
Na verdade o espírito de manada que procuramos aqui combater é bem mais vasto do que à partida se poderia imaginar.Não afecta apenas aquelas pessoas que gastam a sua existência a tentar sobreviver ao dia-a-dia, aquelas que todos os dias passam horas no IC19, que deixam as crianças na creche às 8 da manhã e as vão buscar às 7 da tarde, que à hora do almoço lêem o último livro da Margarida Rebelo Pinto entre uma sopa e um rissol, e que ao Domingo, depois da lida da casa, vão passar a tarde ao shopping.

Não, no actual estádio de desenvolvimento do sistema capitalista selvagem que nos vai triturando, a manada está segmentada, em sub-classes de manadas, consoante as raças dos bois.

Aquelas pessoas que se consideram inseridas na manada a que chamam elite, adoram exibir a sua cultura. Assim, para pertencer à manada da elite cultural, torna-se obrigatório ler determinados livros, ouvir certo tipo de música, ver certo tipo de filmes, da mesma maneira que para as vulgares empregadas de escritório é obrigatório ler o Código da Vinci. Já para esta manada, ler o Código da Vinci está absolutamente interdito.

As livrarias de Lisboa adaptaram-se aos tempos que correm. Só vendem livros para a manada, seja ela qual for, os empregados não percebem nada de livros, nem têem a menor vontade de perceber. As livrarias que não alinham neste espírito, acabam mal. Sobretudo desde que abriu esse autêntico farol de civilização para a manada culta que é a FNAC.

A FNAC é uma mistura de Zara e de Continente, mas em chique . A esquerda intelectual adora a FNAC. Os políticos adoram a FNAC. Só é chique fazer lançamentos na FNAC. Quando a televisão quer fazer reportagens sobre livrarias, vai à FNAC. Enfim, ir à FNAC, é, em si mesmo, um acto de cultura. De cultura de manada.

Eu não compro livros nas livrarias de Lisboa.

De há uns tempos para cá, desde que veio a crise da tanga, decidi que a minha mania de frequentar livrarias revelava no fundo as tendências consumistas que estavam a levar o país à recessão- enfim, o problema de um país pequeno cujo "modelo de desenvolvimento" baseado no consumo interno há muito se esgotou.

Portanto, seria mesmo um acto patriótico deixar de frequentar as livrarias de Lisboa.

Agora já só compro livros no hipermercado, quando vou fazer as compras do mês. Afinal os hipermercados são o Alfa e o Ómega do comércio em Portugal e há que estar na vanguarda. No hipermercado onde eu me abasteço, existe uma banquinha de livros "de 1 a 5 euros". É lá que eu compro livros agora.

Eu gosto de ir ao hipermercado. sentir o pulsar da sociedade, sem ter de me cruzar com a manada culta, que, como sabemos, só se abastece em lojas gourmet. Gosto que pensem que faço parte da manada. Gosto de enganar as pessoas.

Na banquinha das Oportunidades até 5 Euros, tenho a oportunidade de encontrar, no meio do lixo, verdadeiras pérolas, livros que as editoras não estão interessadas em promover, porque não se enquadram no espírito de manada. Porque na verdade não é a manada que decide o que lê ou deixa de ler. Alguém decide pela manada.

Então, comprar livros na banquinha das oportunidades tornou-se, para mim um acto de subversão ao espírito de manada. Não só não alinho no consumismo que está a destruir a poupança nacional, como salvo da guilhotina autênticas preciosidades, sem passar por culto, porque como esses livros não foram promovidos, ninguém os conhece.

Quando gosto muito deles, compro mais, para oferecer. E sei sempre que quem recebe ainda não leu.

Aqui ficam alguns exemplos:

de Lars Gustafsson, A amante colombiana, 3.5 EUR; A morte de um apicultor, 2.5 EUR.
de Amos Oz, Uma pantera na cave, 2.5 EUR.
de Patrick Suskind, A história do senhor Sommer, 2.5 EUR.

e o meu preferido, um achado entre os achados,
de Aleksandar Hemon, A questão de Bruno, 3.5 EUR.

Para os outros livros, há sempre as bibliotecas públicas, a casa da minha mãe, e os presentes de aniversário e de Natal.

Não é que não goste de livrarias (esta é para o Pinto Ribeiro).
Não gosto é das livrarias de Lisboa. E sobretudo não gosto da manada culta.

Também, eu não passo de um cão rafeiro. Preto, ainda por cima.

6 Comments:

Blogger cãorafeiro said...

não imaginas como me entristece por vezes entrar numa livraria e perguntar por determinado título, e dizerem-me logo que não têem, que não conhecem, que está esgotado, que a editora isto ou a editora aquilo.

enquanto isso, fazem grandes montras com toda a espécie de merdas, desde o código da vinci aos livros sobre o código da vinci!

mas deixa lá que as livrarias tipo ler devagar vão na mesma onda, mas a armar em culto. uma vez fui lá, o espaço é de facto agradável, mas o atendimento era um nojo.

no entanto conheço uma livraria nas caldas da raínha, que, tendo um espaço muito reduzido, quase um vão de escada, e estando numa terra de brutos que só gostam de comprar ouro e roupas, conseguiu, à custa de muita persistência, ser uma livraria decente, que não fecha as portas a ninguém, onde o cliente sabe que pode entrar à vontade só para ver, e onde, se quisermos escolher um livro para oferecer, por exemplo, sabemos que vamos encontrar quem nos ajude.

mas em lisboa, toda a gente acha que é culta. mete-me nojo. uma vez ofereci um livro de que gosto bastante, o SEM DESTINO, a uma pessoa da minha família que se considera um intelectual(presunção e água benta...). perguntei-lhe se já tinha lido, ele olhou, e como tinha uma tarja a dizer prémio nobel, disse logo, esse não li, mas conheço bem o autor. caiam-lhe os parentes na lama se não conecesse. o que é isto se não manada?

6:01 da tarde  
Blogger SATANUCHO said...

eu adoooooro a fnac.
é verdade que não compro lá muita coisa mas gosto de ir para lá passear e ver as ultimas novidades, principalmente musicais ...
e então desde que descobri uma editora chamada naxos que tem discos de musica baroca a 5 euricos... ó ó ....que a malta tá na crise e o guito não chega para tudo , e os acidos ao preço a que estão....
os meus amigos deviam era star nos açores onde por exemplo não há UMA livraria com secção de ficção cientifica...

7:54 da tarde  
Blogger cãorafeiro said...

não digas a ninguém, mas eu às vezes também vou à FNAC, mas como quem vai ao hipermercado.

é que gosto de ler na língua original, na medida dos meus conhecimentos, e eles lá vendem edições de bolso baratinhas...

1:46 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Não posso falar de livros :(

2:24 da manhã  
Blogger SATANUCHO said...

porkê ? não sabes ler?

9:34 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

ler sei, mas nunca leio.

6:17 da tarde  

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