domingo, junho 26, 2005

A VARANDA DO BARRETE

Esta é uma história semi-veridica que me aconteceu no sabado passado...

Hoje acordei com vontade de enfiar um barrete, na altura apenas me pareceu que tinha acordado com vontade de comer um peixinho na brasa, mas a verdade, é que a vontade de enfiar o garruço até às orelhas a intervalos regulares me começa a parecer uma condição crónica e estas coisas não devem ser contrariadas sob pena de termos de suportar uma existência feliz e sem sobressaltos o que, como os meus amigos sabem, não tem graça nenhuma.
Como é do conhecimento geral, em São Miguel quando alguém quer comer um belo peixe na brasa, apanha o avião e vai a Portugal come-lo. Em alternativa se quiser uma razoável refeição piscícola vai ao Borda de Agua na Lagoa, onde por acaso até nem se come mal (não fales muito).
De modos que sai de casa com o peixe na mente e fui comprar o jornal, que, aleluia, pela primeira vez em cinco domingos seguidos chegou a tempo e horas ao kioske cá do burgo. É que os açorianos já não lêem muito, então ler os jornais de fim de semana sempre no dia a seguir …… Não justifica o atraso mental insular mas ajuda a explicar muita coisa, mas adiante.
Como sou um gajo cheio de sorte o restaurante estava fechado, a um domingo e sem justificação aparente nem bilhetinho na porta de género: xetamus fexadus pra balansso.
Qualquer dia começo a fotografar estas pérolas da sabedoria popular (a mais famosa sendo o «snakc-bar» lá para os lados da Bretanha, em letras garrafais e mesmo à borda da estrada para se ver bem).
Fui ao restaurante logo à frente que com o seu cartaz de «temos fresco peixe na brasa» me chamou à atenção e aplacou a fúria que já começava a invadir-me o cérebro.
Entrei e como até já lá tinha comido dirigi-me ao piso de cima onde uma varanda sobre o porto da Lagoa dá o nome ao restaurante, Varandas do Mar. Avista é realmente muito bonita e até havia mesa, o que não havia era um chapéu que me proteger a mochéla do inclemente sol açoriano, que àquela hora batia mesmo forte e afugentava a clientela para a salita de jantar onde uma flauta de pan digna dos melhores elevadores do Colombo me perfurava a mona com uma das piores musicas ambientes de que há memoria na historia da restauração lusitana.
Os sinais subliminares estavam todos lá: o chapéu (ou antes, a falta dele), a musiquinha irritante, a inevitável florzinha de plástico reles a decorar a mesa. Prenuncios de que algo iria, teria de correr mal. Claro que estes sinais só se tornam evidentes depois da catástrofe, acho que mesmo que o sinal à porta tivesse escrito «servimos peixe podre a preço de lagosta» eu teria entrado na mesma só para ver se era mesmo verdade.
Escolhi a mesa, sentei-me e perguntei logo:
-Que peixe é que tem?
-Temos todos! Fantástica resposta, mais subliminar que isto não pode haver, mas mesmo assim a besta (eu) ignorando todos os sinais prosseguiu para bingo, vejo agora à distancia de uma horas que mesmo que o sinal tivesse escrito «prove o nosso peixe radioactivo de chernobyl» eu teria ido direitinho à desgraça com um sorriso nos lábios. Conhecem um animalzinho chamado lemingue? Aquele roedor que de tempos a tempos se precipita em hordas de milhares do cimo de um precipício rumo a uma morte por afogamento? Eu sou uma espécie de lemingue dos restaurantes, basta sentir um leve odor a barrete e lá vou eu num impulso incontrolável rumo a mais uma humilhação. E não contente com isto, ainda escrevo aos amigos a contar a coisa. Os donos dos restaurantes quando me vêem entrar devem ir logo raspar o fundo dos caixotes do lixo para me oferecer os melhores patés, acompanhados pelas mais finas bebidas, fora de prazo, claro. Isto é uma espécie de um dom. Há quem tenha um dom especial para jogar à bola ou para engatar gajas ou para ter reformas de 1600 contos trabalhando apenas seis anos, eu tenho jeito para ser enganado em restaurantes.
Mas voltando ao peixe, -Temos todos????? Que raio de resposta, seriam todos os peixes do mundo? Todos os peixes comestíveis? Todos os peixes deste oceano? Não, afinal eram apenas todos os peixes que tinham no frigorifico e se resumiam a apenas 4 espécies, boca negra (como o meu Karma), cherne (o omnipresente), alfonsim (nem perguntem) e o peixão.
-Peixão??? Perguntei eu.
-É muito bom. (mais uma mensagem subliminar ignorada. Já repararam que os gajos dizem sempre que é muito bom. No dia em que um empregado de restaurante me disser «esse??? É uma merda! Escolha outra coisa» juro que lhe dou 100 euros de groja).
-Então seja, disse eu, venha o peixão! Eu até nem estava com muita fome mas a perspectiva de comer um granda peixe animava-me, o dia estava bonito, o tempo estava óptimo, o que é que poderia correr mal? (e pronto! Selei o meu destino).
-E para entrada? Umas lapas? Um queijinho fresco?
-Um queijo! Enquanto o peixe passava pelas brasas e eu mirava o Diário de Noticias sempre picava qualquer coisa.
Veio o queijo fresco, fez-me lembrar a capela cistina, no Vaticano, também tem uns FRESCOS, pintados no tecto, datados do século XVI que é mais ou menos a data em que este queijo foi feito, mais coisa menos coisa, mas não faz mal, sempre se pode disfarçar com uma pimenta da terra providencialmente fornecida com o matusalanico queijo. Barra-se a coisa com a dita pimenta e já está, com a milagrosa pimenta até se podem comer pedras da calçada à fatia que está sempre tudo bem.
Vem o peixe, vem o peixe e o cheiro.

Bate, bate levemente,
Será peixe? Será gente?
Gente não é certamente
E peixe não cheira assim!
será………UM BARRETE???

E era mesmo, o barrete é como a mestruação, de xis em xis tempo não falha.
Ainda dei uma garfada na coisa só para confirmar. Era mesmo verdade, tinha descoberto uma nova espécie de barrete.
Senti-me um verdadeiro David Váite-emborough a descobrir uma nova espécie de aranha com guelras no quintal da bisavó materna.
Lá tive de devolver a coisa, ou seja o peixão. Sendo este suposto peixão uma coisa com 15 centímetros de comprimento porque raio de carga de agua é que se chamava peixão?
E lá percebi porquê: quando o pescador no seu barco vê a merda de PEIXE que apanhou manda-o para o CHÃO do barco, depois, e «por engano» vai na cesta de peixe só para fazer peso. Quando chega ao restaurante, e o cozinheiro vê aquela coisa manda-o para o CHÃO da cozinha, de onde só sai para o prato de algum otário que tenha o azar entrar na dita espelunca em dia aziago. Dai o nome: Peixe-chão de onde se abreviou para peixão.
E o extraordinário é que só me custou 12.35 euros para descobrir mais este segredo da culinária açoriana. Por acaso a empregada que me serviu até era girita, deficiente, mas gira. Deficiente olfactiva para não ter notado o distinto cheiro a qualquer coisa indistinta que emanava da coisa.
Curiosa definição de fresco que aquela gente tem, a ver pelo queijo e pelo peixe.
A julgar pela definição deles, qualquer morgue hospitalar está cheia de produtos frescos.

No próximo domingo, quando acordar, vou comprar o jornal do dia (se tiver sorte), dou uma gorgeta de 12.35 euros ao jornaleiro e vou comer um hamburger ao mcdonalds. Como merda na mesma mas pelo menos já não me assusto com o resultado

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Meu caro, não acredito que não se consiga tropeçar em Restaurantes que sirvam bom peixe fresquinho, aí, no meio do revoltoso Atlântico... Terra de boa gente e melhores pescadores, onde, quase todos os dias há peixinho reluzente e bem vivo no Mercado de Ponta Delgada. Vá, procura lá bem e depois escreve qualquer coisa abonatória sobre o rico e saboroso pexe açoreano.

12:34 da tarde  

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